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CATARSE ACABA NESTA SEGUNDA, DIA 6 DE MAIO



Caríssimo leitor MMarte! Estamos na reta final da campanha do Catarse para a graphic novel De lá não se via luz. As coisas não andam muito fáceis para o quadrinho autoral brasileiro na plataforma, mas confiamos no bom gosto de nossos seletos leitores. Então, você tem até as 23h59m59s da próxima segunda-feira, dia 06 de maio, para dar aquela força.

De lá não se via luz é uma HQ policial de alto calibre. Confira aqui, em primeiríssima mão, o prefácio escrito pelo crítico Ciro Inácio Marcondes (doutor em Comunicação, editor do site www.raiolaser.net e do podcast Lasercast, autor do livro ZIP!). E logo em seguida corra para https://www.catarse.me/delanaosevialuz

Juntos a gente chega lá – e ainda vê a luz.

 

Genealogia para um grande noir existencialista


O noir é um gênero (ou estilística) curioso porque, surgido após a Segunda Guerra Mundial, estava restrito, em Hollywood, a condições de produção bem específicas. Eram filmes baratos, flertando com o cinema B, mas de alta qualidade estética (a famosa fotografia chapada em preto e branco) e roteiros imprevisíveis, em tramas sangrentas e sem coração.

Porém, o legado mais interessante do noir original talvez seja a ambiguidade moral de seus personagens, vingando as décadas de mocinhos virtuosos e mocinhas recatadas da Hollywood de até então. Uma chave havia sido virada no meio do século XX, e esses protagonistas imorais dariam a tônica, mais tarde, para os perversos anti-heróis da Nova Hollywood, e para uma mudança de paradigma a respeito do que deveria ser um protagonista em um cinema muito mais autorreflexivo.


De lá não se via luz, novo romance gráfico da dupla Patrick Martins e Igor Frederico – autores do igualmente sofisticado e ambicioso Dente de leite –, puxa sua influência noir a partir desse aspecto. Lógico, temos um assassinato misterioso, um policial decrépito e fumante, e personagens com a alma destroçada pela vida, mas é o trabalho minucioso de artesão com a ambiguidade moral de seus anti-heróis que mais se destaca aqui. Patrick (roteiro) e Igor (arte) pegam nas mãos da maldade e a levam além.

Além de um tratamento visual arrojado, em que Igor vai revelando e ocultando por meio de massas pretas e cinzentas, como todo bom noir, há a gravidade dos diálogos de Patrick, nunca empostados, carregados de um peso de chumbo, que se espalha pelas frestas visuais, muito impactantes, da narrativa.


Há diversos tipos de coragem aqui: a de dizer muito sobre o cidadão comum, em histórias cheias de verdade, mas não reais. Há também a coragem de se fazer um quadrinho dramático e denso, quando esta não é exatamente a tendência atual na HQ brasileira. E, por fim, a coragem de trabalhar, como na história que estão contando, tal qual uma dupla de policiais. Patrick, o bad cop, com um texto de tirar o fôlego e doer na alma. Igor, o good cop, com a beleza de sua linguagem visual desaguando em ângulos inspirados nos mestres europeus do cinema.


As influências, é claro, abundam, já que os autores esbanjam erudição nas cuidadosamente escolhidas epígrafes de cada capítulo. E duas destas referências, muito interessantes, ficam implícitas. A primeira é Michelangelo Antonioni (que é citado apenas pelo filme A Noite, no capítulo 7) no filme Blow-Up – Depois daquele beijo (Blow-Up, 1966), em que o fotógrafo Thomas (David Hemmings) começa uma investigação criminal a partir do blow fotográfico de uma figura oculta que emerge lentamente na revelação do filme em acetato.

Antonioni se aproveita de um mote policial para revelar um dos mais intrigantes questionamentos existenciais do cinema, quando seu fotógrafo literalmente desaparece do campo fílmico na última cena. Uma revelação fotográfica também é importante para De lá não se via luz, e fundamental para o posicionamento existencialista da história.


A segunda referência vem do mundo dos quadrinhos, com a arte de Igor Frederico lembrando o noir/sobrenatural de HQs como Dylan Dog. Sem qualquer demérito por isso, De lá não se via luz, de certa maneira, lembra um quadrinho Bonelli, com sua clara articulação narrativa, porém multifacetada, o que Igor constrói com maestria. Soa como se Patrick tivesse se inspirado em Tiziano Sclavi para escrever um roteiro para Antonioni dirigir. Não à toa, os autores enxertam, no rosto da personagem Helena, as feições da bela atriz Monica Vitti (favorita de Antonioni), prática esta (colocar o rosto de atores famosos em seus personagens) comum nos fumetti.


Portanto, a dupla alcança, em De lá não se via luz, um resultado meticuloso na delicada compleição desse quadrinho triste, abismal, e não menos violento por isso. Cada personagem é um fio de Ariadne que nos leva a uma origem traumática, ao mesmo tempo em que escolhe fazer essas revelações em fragmentos, no mais autêntico estilo noir.

Trata-se de um amadurecimento não apenas de Patrick e Igor, mas também do quadrinho brasileiro desta atual geração, ao escolher meter o dedo na ferida mais uma vez, porém com sofisticação e pesquisa. Trunfo, creio eu, do trabalho em parceria roteiro/arte, tão comum na Europa e nos EUA, e pouco praticado por aqui. Inspirador! Daí eu te desafio a sair incólume do universo deste sombrio romance gráfico.

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